Monday 3 August 2015

A QUINTA DA MOITA LONGA E AS INVASÕES FRANCESAS

No livro (pág. 146), é mencionado que na capela da Moita Longa foi colocado o altar de talha dourada no séc. XVII, mas, poste­riormente, aquando das Invasões Francesas (1808), o mesmo foi propositadamente ta­pado por uma parede de tabique.

Aconteceu que há cinquenta anos atrás o meu avô estava a preparar a capela para o casamento de uma tia minha, quando uma empregada caiu de um escadote enquanto estava a limpar a dita parede e o cotovelo atravessou a divisória falsa que separava a capela-mor do corpo da ca­pela.

Tal foi o espanto quando através do buraco viram o ouro do altar a brilhar.

Por momentos chegaram a pensar que tinham localizado o tesouro perdido da Moita Longa.

Ano de 1807. Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão Bonaparte e em Agosto de 1808, uma ordem emanada pelo comando do exército luso-britânico e assinada pelo general Arthur Wellesley (futuro duque de Wellington), comunicava que todos os agricultores da Lourinhã deveriam abandonar as suas aldeias e propriedades, pois para estas paragens estava eminente um confronto militar entre as tropas aliadas e as de Napoleão Bonaparte, comandadas por Andoche Junot.

Fabião de Carvalho Figueira, administrador do Morgado da Quinta da Moita Longa, era então juiz e vereador da Lourinhã[1], e seus irmãos, António Norberto de Carvalho Figueira e Estêvão Telles, eram respectivamente sargento da Marinha Real e coronel do Exército.

Dizia a ordem que as populações não deveriam evacuar a área por terra, mas sim por mar, saindo do porto de Peniche.

Junto à Lourinhã, estava a Quinta da Moita Longa. Um lugar recôndito que reunia todas as condições para aquartelar um exército. Amplas instalações por entre uma vegetação abundante, uma vastíssima linha de horizonte, que se estendia de Montejunto a Sintra; águas minerais; adegas e lagares; casas de moços e estrebarias; currais e palheiros; casa de atafona com duas mós; casa do moleiro; mós de água e ataúde; terras de pão, vinhas, hortas e pomares.

Junot entrou em Lisboa às nove horas da manhã de 30 de Novembro de 1807, e na segunda quinzena de Dezembro, só na capital e seu termo, já se encontravam aquartelados cerca de dezoito mil franceses em conventos e casas religiosas.

A 23 de Dezembro de 1807, Napoleão, imperador dos franceses, rei de Itália, protector da confederação do Reno, decretou o seguinte:

Título I, Artigo I.- Uma contribuição extraordinária de guerra de cem milhões de francos será imposta sobre o reino de Portugal, para servir de resgate de todas as propriedades, debaixo de quaisquer denominações que possam ser, pertencendo a particulares.

Artigo II.- Esta contribuição será repartida por províncias e por cidades, segundo as posses de cada uma, pelo cuidado do general em chefe do novo exército e tomar-se-ão as medidas necessárias para a sua pronta arrecadação.

Artigo III.- Todos os bens pertencentes à rainha de Portugal, ao príncipe regente e aos príncipes que desfrutam apanágios, serão sequestrados.

Todos os bens dos fidalgos, que acompanharam o príncipe, quando abandonou o país, que não se tivessem recolhido ao reino até ao dia 15 de Fevereiro de 1808, serão igualmente sequestrados[2].

A ganância dos franceses era desmedida. Desde o general até ao mais ínfimo soldado, todos se achavam fidalgos. Junot chegou mesmo a publicar um regulamento do decreto imperial, ordenando que se recolhesse todo o ouro e prata das igrejas, capelas e confrarias.
    
Foi sem qualquer tipo de oposição que Andoche Junot entrara em marcha triunfal em Lisboa, perante um povo inofensivo e uma fidalguia dispersa, pois a alta nobreza havia acompanhado D João VI para o Brasil. Eram, por isso, muito limitadas as defesas nacionais, em contraposição às francesas.

Note-se que Napoleão, em finais de 1807, mantinha em toda a Europa 620.000 soldados de pé e a cavalo, 380.000 de infantaria e 70.000 de cavalaria. Napoleão dispunha, além disto, das forças militares do reino da Itália, de Nápoles, de Espanha, do grão-ducado de Varsóvia e dos estados da Confederação do Reno.

A “Alma Lusitana” sentiu-se ferida no seu orgulho. Embora com o coração destroçado, a genialidade do povo português teria mais uma vez que dar provas, sendo imperioso tomar medidas urgentes.

Em Cork, na Irlanda, os Ingleses tinham organizado e pronto a partir, um corpo de exército de 9.000 homens, com destino à América do Sul.

Pela Providência de Deus, um apelo de Portugal fez alterar os planos.

Portugal era um velho aliado da Inglaterra e resolveu desafiar Napoleão, ao não aceitar o Bloqueio Continental que a França tinha decretado à Inglaterra.

O projecto inglês de rumar ao Hemisfério Sul foi anulado e as forças britânicas tiveram outro destino: operar em Portugal sob o comando do general Arthur Wellesley.

Largando Cork a 12 de Julho de 1808, foi com manifestações de regozijo popular que os Ingleses foram recebidos no Porto a 18 de Julho do mesmo ano, tendo-se a notícia espalhado rapidamente por todo o território nacional. De todos os lados vieram juntar-se voluntários, trazendo consigo tudo o que lhes coubesse na mão e na alma, pois o que era preciso era salvar Portugal do jugo e da tirania francesa.

O general Bernardim Freire de Andrade entra em Coimbra no dia 5 de Agosto, perante o delírio popular. Estava generalizado o sentimento de revolta, e logo se reuniram 7.618 homens, como forças de primeira linha, entrando neste número 1.500 de cavalaria, 500 dos quais montados. Quanto às milícias, subiam a 10.000 homens, e as ordenanças a cerca de 15.000.

A 2 de Agosto, Junot tomara conhecimento do desembarque dos Ingleses no Porto. Perante a inoportunidade do acontecimento, e sem plano traçado, vê-se obrigado a fraccionar o seu exército para combater as revoltas populares.

A 12 de Agosto, em Leiria, juntaram-se a vanguarda inglesa e o exército português. Wellesley e Bernardim Freire de Andrade conferenciam sobre o plano de operações.

Wellesley e Bernardim Freire de Andrade, na sua marcha para Lisboa, avançam até às Caldas da Rainha e a Óbidos.

Entretanto, Junot, confia ao general Delaborde o embargo deste avanço, opondo-se-lhes na planície da Roliça (contígua à Quinta da Moita Longa).

De Óbidos vão chegando mensagens emanadas pelo comando aliado, sobre a necessidade de se acautelar um espaço apropriado para albergar tropas, já muito cansadas e principalmente famintas.

Roliça. Eram sete horas da manhã do dia 17 de Agosto de 1808 quando o exército luso-britânico, comandado por Arthur Wellesley, inicia a sua marcha contra Delaborde. Seguindo pela direita, as tropas portuguesas ganharam em pouco tempo a aldeia de S. Mamede, que ocuparam, enquanto duas brigadas do centro avançavam até aos postos dos franceses na Roliça.
    
Pinheiro Chagas, na sua História de Portugal, descreve assim a batalha da Roliça:

Enfim Delaborde o fez escolher uma boa posição defensiva na Roliça, pequena povoação situada a uma légua ao sudoeste de Óbidos, num terreno montanhoso. O exército Inglês, saindo de Leiria, marchara sobre Alcobaça, e depois sobre as Caldas, aproximando-se cada vez mais da costa. Das Caldas destacou Wellesley 4 companhias de “riflemen” para explorarem o caminho de Óbidos. Encontraram-se na Arnoia com um batalhão Francês, que se retirou lentamente depois de ter causado algumas perdas aos Ingleses.

O general Wellesley tinha 13.480 homens de infantaria, 470 de cavalaria, e 18 peças de artilharia. Entravam nesta força 2.592 portugueses, comandados pelo coronel Nicolau Trant, e pertencentes à artilharia 4, cavalaria 6, 11, e guarda real da polícia, de caçadores 6 e infantaria 12, 21 e 24. Delaborde comandava apenas 5.500 homens de infantaria, 500 de cavalaria, e 5 peças de artilharia. Com eles guarneceu a posição da Roliça e as alturas da Columbeira.

Rompeu o exército aliado a marcha às 7 horas da manhã.

Marchando pela direita, as tropas portuguesas não tardaram a ocupar a aldeia de S. Mamede; ao mesmo tempo a brigada Hill conseguiu formar-se na estrada debaixo do fogo inimigo, e este, vendo também ameaçada a sua esquerda, preferiu abandonar a posição da Roliça, concentrando-se na Columbeira, sítio muito mais forte. Aí tornou-se o combate mais intenso, e ali se pôde ver logo a índole diversa dos soldados contendores. Os Franceses de Delaborde, não se contentando em sustentarem a sua posição, quando viam os Ingleses mais embaraçados com as escabrosidades do monte, e enleados na vegetação que o veste, precipitavam-se à baioneta calada e desorganizavam-lhes as colunas de ataque. Estas porém formavam-se de novo na melhor ordem, e continuavam a avançar, como se coisa nenhuma lhes tivesse interrompido a marcha. Os Portugueses mais ágeis que os seus aliados, e não menos intrépidos, precediam-nos na tomada das posições, tanto assim que foi sempre com receio de se ver flanqueado pelas colunas da direita que Delaborde retirou da Roliça para a Columbeira, e da Columbeira para a Azambujeira dos Carros. Efectivamente nessas três posições se sustentaram sucessivamente os Franceses, portando-se com rara intrepidez, em atenção à inferioridade do seu número, que, não sendo tal como o afirma Thiers era contudo notável. Sir Arthur Wellesley prestou homenagem a esta bravura das tropas francesas, que, depois, se retiraram em excelente ordem pela estrada de Torres Vedras, tendo perdido 500 a 600 homens entre mortos, feridos e extraviados, e três peças de artilharia que não puderam transportar, mas tendo infligido ao exército aliado uma perda de 479 homens, e havendo sustentado com raro valor a honra das armas francesas.

Não quis Wellesley perseguir as tropas de Delaborde, e, deixando-o retirar para Torres Vedras, prosseguia ele a sua marcha na direcção da Lourinhã, procurando sempre o litoral, a fim de se reforçar com as tropas inglesas que ia recebendo.

A estrada que ligava Roliça à Lourinhã, passava pela Quinta da Moita Longa. Diz a tradição que o General Wellesley aqui pernoitou.

RELATO DO RESCALDO DA BATALHA DA ROLIÇA PELO COMENDADOR JOAQUIM PAES DE SÁ

Lourinhã 18 de Agosto pelas 9 horas da noite

Ilustríssimo e Exmo. Senhor - Recebo a Carta de V. Exa. de 17, e igualmente vi o que V. Exa. dirigiu ao General Sir Arthur Wellesley, o qual como responde dirá a V. Exa. o seu parecer sobre a direcção da sua marcha, a qual eu direi (se V. Exa. mo permite) deve ser rápida, para ver se se pode fazer a reunião antes da batalha que eu creio se deve dar bem depressa. - Os Ingleses devem desembarcar amanhã mais Tropas, que se devem logo reunir a estas – Laborde com a sua Tropa passou esta manhã por Torres Vedras, levando coisa de 30 prisioneiros Ingleses: Laborde foi ferido gravemente, e se diz que morreu um General Francês, mas creio que há engano nesta segunda parte. Os Ingleses tiveram 300 a 400 homens entre mortos e feridos, segundo hoje me disse o General, com o qual aqui jantei, entrando no número dos primeiros alguns oficiais. Os Franceses além da sua boa situação, se bateram muito bem, mas no combate não entraram 9 Regimentos Ingleses. Uma Bomba caiu ao pé do General em Chefe, mas não arrebentou por sua felicidade. Por Torres passaram muitos feridos Franceses e os Suíços (?) foram levados para Peniche. Calcula pois o General a sua perda em 500 a 600 homens. Agora chegam dois homens que dizem que Junot entrara em Torres Vedras ao meio dia com 4 mil homens. Torres fica aqui distante duas léguas. Logo que possa ter o gosto de ir encontrar a V. Exa. lhe referirei mais alguma particular circunstância.

Sou de V. Exa. o mais atento venerador efectivo Criado - o Comendador Joaquim Paes de Sá.     



Batalha da Roliça

Derrotado na Roliça, Delaborde envia uma mensagem para Lisboa, fazendo-a chegar a Junot, que entretanto, para celebrar a data do aniversário de Napoleão, assistia a um espectáculo de gala no Teatro S. Carlos. Irritado, manda reunir de emergência todos os generais do seu Conselho, incluindo Delaborde, decidindo-se marchar para Torres Vedras, onde entrou, como era seu hábito, com toda a pompa e circunstância, como se de o rei de Portugal se tratasse.

Wellesley, que já se encontrava postado no Vimeiro, a 20 de Agosto escreve a Bernardim Freire de Andrade, que ainda se encontrava em Óbidos, comunicando-lhe que o exército inglês ia tomar o caminho de Mafra.

Responde-lhe o general português, que devido a um rebate falso, as suas tropas tinham estado toda a noite em armas, nas Caldas da Rainha, e que por isso mesmo, não se apresentavam em condições para novo combate.

Por essa razão as forças de Bernardim Freire de Andrade participaram em pequeno número na Batalha do Vimeiro, ficando aquarteladas junto da Lourinhã.

No Arquivo Histórico Militar, encontram-se diversas cartas de correspondência entre Arthur Wellesley e Bernardim Freire de Andrade, quando este último esteve aquartelado perto da Lourinhã, e outras, entre as quais, as que aqui são transcritas[3].

CARTA DE BERNARDIM FREIRE DE ANDRADE AO BISPO DO PORTO

Exmo. e Revmo. Senhor – Meu Senhor: o que eu tive a honra de anunciar a V. Exa. quando saí de Leiria, compôs-se perfeitamente pelo que pertence ao que parecia diferença de opinião. Ontem recebi uma carta do General Wellesley, em que me comunica o que devo fazer daqui em diante. Acho-me em Óbidos em disposição de passar à Lourinhã, ou Torres Vedras, conforme os movimentos do inimigo, que provavelmente já não procurará mais que retirar-se para as imediações de Lisboa depois das acções que tem havido, todas à vantagem do nosso Exército.

O general Inglês está já em Mafra, e os Franceses, reunidos em Torres Vedras, não têm outro recurso do que passando pela outra estrada vir ainda oferecer alguma oposição às operações em que o General Wellesley prossegue com tanto vigor, e energia.

Eu devo seguir a unir-me com este General, logo que o inimigo lhe passe adiante, segundo me disse ontem, mas acho-me sempre embaraçado pelo pão; e isto depois de V. Exa. ter dado todas as disposições que podia; mas é particularmente pela falta de estarem as repartições montadas, como devia ser, e falta de energia dos empregados.

Suplico instantemente a V. Exa. queira mandar-me com a maior brevidade Sebastião Correia com os oficiais, que entender lhe são precisos para me ajudar nesta parte tão essencial, e sem o que estamos peados. Aqui temos recebidos remessas dos diferentes ofícios, que devemos ao particular de V. Exa. Supondo que a entrada em Lisboa se não demorará muito, e eu coxo, por assim dizer, por falta de subsistências seguras, o que não sucede aos Ingleses, que levam provimentos suficientes de bolacha, rogo a V. Exa. ainda uma vez que me mande Sebastião Correia quanto mais depressa - Creia V. Exa. que nada me pode ser mais sensível do que a desordem, em que veio a administração dos víveres, e transportes deste Exército; porque quando senão fazem as distribuições a tempo não se podem fazer com regularidade, e do mesmo modo a respeito dos Transportes. Por aqui não tem ocorrido mais novidade, de que possa informar a V. Exa., e graças a Deus o Reino não tem padecido senão aonde os Franceses estavam. Tenho a honra de ser o mais obrigado, respeitoso e fiel Amigo e Cavalheiro - Bernardim Freire de Andrada. - Exmo. e Revmo. Sr. Bispo do Porto.

Óbidos, 21 de Agosto de 1808.

CARTA DE BERNARDIM FREIRE DE ANDRADE DO QUARTEL GENERAL DA LOURINHÃ

Senhor.

Tendo cessado os motivos, que me prendiam em Leiria, e que vejo com todo o reconhecimento, e satisfação haverem merecido a aprovação de V. A. R., continuei sem perda de tempo a marcha para Alcobaça, e depois Caldas, e daqui a Óbidos onde a falta de subsistência me obrigou alguma demora. E como tivesse ali recebido um aviso do General Wellesley, participando-me que no caso de não poder seguir no dia 21 a marcha do Exército Britânico, que se dirigia pela estrada de Mafra, esperasse então que o inimigo, como parece provável se adiantasse na direcção para Lisboa, e que só depois verificasse a junção do nosso Exército com o de S. M. Britânica, por isso me demorei no Domingo em Óbidos. Aconteceu porém que nesse mesmo dia foram os Franceses atacar o Exército Inglês, que o não esperava, nem eu o podia presumir, estando a 4 léguas de distância, o que não impediu aos nossos Aliados e à Tropa Portuguesa, que dantes se lhe unira, que muito se distinguiu na acção, obterem uma muito assinalada vitória.

No dia seguinte marchei para este Quartel, que me tinha sido designado pelo General Inglês, e apenas chegado me avisa de que era novamente atacado, e que marchasse a recair sobre a retaguarda.

Marchei com efeito; mas tendo mandado um oficial ao Quartel General, quando estava a meia légua de distância, voltou este dizendo-me que o General desejava que eu ficasse junto à Lourinhã.

Quartel  General da Lourinhã, 24 de Agosto de 1808.
Bernardim Freire de Andrade.



[1] IAN/TT, Chancelaria de D. Maria II, Ms. 4 Doc. 756 / Ms. 26 Doc. 368
[2] Mário Domingues, Junot em Portugal, Edição Romano Torres, Lisboa, 1972 
[3] Arquivo Histórico Militar, Boletim do Arquivo Histórico Militar, Livro 1º, Carta n.º 20 e segs.

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